Plataformas que atuam proporcionando uma espécie de “match” entre pessoas interessadas em vender ou alugar um imóvel e outras que buscam uma nova residência têm se tornado cada vez mais populares, com seus processos descomplicados e garantias para os dois lados.
Mas o que fazer se o serviço não for prestado como o anunciado? Quais são os direitos dos consumidores e a quais detalhes eles devem ficar atentos na hora de assinar o contrato?
O casal Fabíola, 44, e José Nolasco, 50, têm enfrentado problemas com uma dessas plataformas. Os dois são donos de um apartamento no Morumbi, zonal sul de São Paulo, que foi alugado por uma mulher através do QuintoAndar no mês de julho de 2021.
Apesar do contrato de 30 meses, a inquilina decidiu deixar o apartamento em março deste ano, deixando para trás um rastro de problemas.
“Na vistoria de saída do imóvel, descobrimos que ele estava detonado: pisos do banheiro e da sala queimados por química, cortina rasgada e suja de tinta, vermes no sofá porque o pet urinava e fazia fezes no móvel, cama suja com manchas que parecem de sangue, além de móveis com problema nas dobradiças e uma das portas do apartamento com a fechadura quebrada”, conta José Nolasco, que é administrador de empresas.
Além disso, o casal descobriu que a inquilina deixou contas de luz e boletos do condomínio em aberto.
Como a mulher tinha avisado que moraria com animais de estimação, há no contrato um adendo no qual a locatária assumia o compromisso de se responsabilizar caso o imóvel ou algum item dentro dele fosse danificado.
Após tomarem conhecimento dos problemas, eles procuraram o QuintoAndar para que a plataforma pudesse ajudá-los a resolver a situação, intermediando o caso, e até, se necessário, arcando com os prejuízos, mas, até o momento, nada foi resolvido.
Nolasco afirma que perguntou à plataforma sobre as contas de luz e do condomínio, mas que eles disseram que não sabiam explicar. “Para os reparos e troca dos móveis, eles me ofereceram R$ 3.845, o que é um absurdo. Só a soma de tudo que foi danificado dá mais de R$ 10 mil. Cadê aquela cobertura de até R$ 50 mil que eles anunciam?”, questiona José Nolasco.
A cobertura a que ele se refere é uma das ofertas que constam no site do QuintoAndar. Nela, a plataforma anuncia que o proprietário do imóvel terá “a garantia de que o aluguel vai estar na conta todo dia 12 e a Proteção QuintoAndar, que cobre até R$ 50 mil em danos ao imóvel não corrigidos pelo inquilino ao fim do contrato”.
O casal cobra ainda o recebimento da multa no valor de três aluguéis por descumprimento contratual, que está prevista no acordo “caso uma das partes descumpra qualquer disposição, e não resolva o descumprimento no prazo de 15 dias, contados da notificação nesse sentido”.
Outra multa que a inquilina deve pagar é pela rescisão no primeiro ano de contrato porque, segundo uma das cláusulas do acordo assinado, se ela deixasse o apartamento antes de completar 12 meses, deveria pagar uma multa no valor de três aluguéis, reduzida proporcionalmente pelo prazo já cumprido deste período.
Nolasco aponta também que está com o apartamento fechado há mais de 50 dias e que, por isso, espera receber os chamados lucros cessantes, indenização pelo que ele poderia estar lucrando com o aluguel do apartamento, mas não está, por causa dos danos causados pela inquilina.
“Eles cobram por uma coisa que eles não fazem. Eu não estaria tendo essa dor de cabeça se eles tivessem monitorado a situação e lá atrás tivessem me avisado, por exemplo, que a inquilina não tinha pago o boleto do condomínio ou a conta de luz. Aí eu pergunto: eles não são pagos para administrar? “, diz Nolasco.
Procurada pelo Defesa do Cidadão, o QuintoAndar afirmou que está em contato constante com Fabíola e José Nolasco, visando a conclusão do caso o mais rápido possível
“As despesas em atraso, incorridas durante o contrato de inquilinato em questão, já foram pagas pela QuintoAndar, de acordo com os termos do contrato, e o valor dos reparos solicitados no imóvel, pelo orçamento da execução do serviço não ter sido aprovado pelos proprietários no prazo determinado dentro dos parâmetros do seguro de Proteção QuintoAndar, será creditado na conta cadastrada até o dia 10 do mês subsequente”, afirma o QuintoAndar em nota.
A plataforma afirma que essas informações já foram passadas ao casal pelos meios de comunicação oficiais da empresa. Além disso, o QuintoAndar diz que “para o ressarcimento dos demais itens solicitados, afirmamos que estamos em contato com os proprietários desde 2 de abril, aguardando que nos informem detalhes sobre os eletrodomésticos para que o processo de reposição seja conduzido e, assim, atendendo a solicitação em sua totalidade”.
Em novo contato, José Nolasco afirmou ao Defesa que recebeu um email falando sobre o pagamento das contas, mas com informações que não estão claras.
Ele diz que não solicitou que a plataforma fizesse os reparos pois não confia que o trabalho será realizado e mantém a posição de que o valor que será pago não cobre os gastos que ele terá.
O que fazer
Especialistas ouvidos pelo Defesa explicam que há nesses casos tanto uma relação de consumo quanto uma relação locatícia. Assim os direitos e deveres dos envolvidos devem ser analisados sob as regras trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei de Locação.
“Nesse caso, o Quinto Andar pode ser responsabilizado civilmente por esses danos causados a uma das partes que o contratou. Está no CDC. É a responsabilidade objetiva pelo descumprimento de um serviço contratado. A plataforma não está cumprindo com o serviço prometido, não está atendendo à expectativa legítima de quem a contratou”, afirma Diógenes Faria Carvalho, advogado especialista em direito do consumidor do GMPR Advogados e professor da UFG.
Segundo Daiille Toigo, advogada especialista em direito empresarial e sócia do escritório Costa Toigo Advocacia, a plataforma, como administradora, tem o dever de acompanhar o pagamento de contas e relatar qualquer problema ao locador.
“Na qualidade de administrador, eles têm o dever de zelar, obter informações e repassá-las ao proprietário. Por exemplo, normalmente, a pessoa tem que demonstrar que quitou as contas e dívidas antes de sair do imóvel”.
Rodrigo Karpat, advogado especialista em direito imobiliário, aconselha que, cidadãos que estejam passando por esse problema comecem tentando solucioná-los por vias extrajudiciais.
“A pessoa pode fazer um orçamento dos reparos necessários e notificar, de forma extrajudicial, a plataforma informando os danos inerentes à parte física, os valores das contas em atraso, as multas devidas e até os lucros cessantes. Envia com cópia para o Procon e estipula um prazo para resposta”, orienta Karpat.
Ainda segundo ele, se a plataforma não resolver a situação, nem os órgãos de defesa do consumidor, a pessoa pode entrar com uma ação em um Juizado Especial Cível.
Por último, os especialistas ainda indicam sobre quais pontos os locadores e locatários devem ficar atentos ao contratar o serviço por meio de plataformas.
“Nos contratos do Quinto Andar, por exemplo, existe uma cláusula compromissória de arbitragem. Isso não pode acontecer. Está no CDC, artigo 51, utilização compulsória de arbitragem é nula de pleno direito. Tem que ser em apartado e bem explicado”, alerta Carvalho.
Karpat sugere que os consumidores devem pensar bem se vale a pena assinar um contrato de adesão, ou seja, que não pode ser modificado, apenas acrescentado aditivos.
“Além disso é necessário ter um contrato de administração estabelecendo a relação do proprietário com a empresa administradora para ficar claro a obrigação de parte a parte ou em que momento cada um deve agir”, completa.
FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO